quinta-feira, 22 de abril de 2010

O Ser Humano e suas Limitações


M:.M:. Antônio Padilha de Carvalho

O admirável psiquiatra Austríaco Viktor Frankel, considerado um dos pais da psicologia humanista, após haver estado em vários campos de concentração, de trabalhos forçados e de extermínio, durante quatro anos na segunda guerra mundial, ao retornar à sociedade, fez uma panorâmica dos conflitos que aturdem o ser humano. Analisa Viktor Frankel que o índice de suicídios no campo de Auschwitz era relativamente mínimo, aquelas pessoas que viviam condições sub-humanas, lutavam para sobreviver, haviam perdido praticamente tudo, familiares, bens, a dignidade humana, e apesar disso empenhavam-se em sobreviver aos maus tratos e a hediondez, porque as suas vidas eram portadoras de um sentido.

Ao retornar a Viena e recomeçar a sua clínica de psiquiatria, após haver perdido a mulher, desde a entrada no campo de Auschwitz, Viktor Frankel, procurou dar uma mensagem ao mundo que estivesse carregada de otimismo, de esperança e perguntava-se por que a criatura civilizada, com tantas comodidades científico-tecnológicas, por qualquer motivo procurava desertar da vida, mergulhar no abismo covarde do suicídio.

Quando o paciente chegava-se até sua terapia e lhe falava:
- Doutor por pouco não me matei.
Ele contra-interrogava: - E por que não o fez? A pessoa apresentava um choque e redargüia:
- Porque eu tenho razões para viver! O senhor acha que deveria ter me matado?
- Não, eu não acho nada. Eu apenas desejo saber por que você não atendeu ao impulso covarde da fuga.
- Porque tenho uma mulher um filho... tenho ideal... então, ele realizava a terapêutica partindo da conclusão do próprio paciente. E estabeleceu que nossa vida tem um sentido existencial: a busca da felicidade.

A busca da felicidade eis a meta pela qual nós estamos na Terra. Para entendermos, no entanto o que é felicidade, recorramos a uma breve história da filosofia.

A filosofia nasceu para ensinar à criatura humana a sua própria realidade, as suas ambições, as suas metas, os seus anelos, e para poder explicar as razões da vida os filósofos enterraram-se em interrogações a respeito da morte.

Para que a vida tivesse sentido era necessário decifrar-se o enigma da morte. E as primeiras manifestações filosóficas no Oriente ancestral, é de que a morte é uma porta de entrada para a vida.

Nas obras básicas do pensamento da Índia , no Vedanta, a coleção de obras magistrais. O ser é criado por Brama, e inicia-se a sua trajetória partindo das primeiras manifestações do psiquismo, passando pelos diversos reinos da natureza, até atingir a sua humanidade e mais tarde a angelitude.

No Bhagavad-Gita, ou nos Upanichadas, o mestre, orienta o discípulo. Krishna trabalha a alma de arjuna, para que ele possa identificar as necessidades reais da vida e superar as necessidades secundárias, as aparentes, às quais todos nós damos muito valor.

Transferindo-se da índia, nós iremos beber nos santuários Egípcios a revelação da imortalidade da alma, através dos Hierofantes, graças aos quais, a sabedoria dos Deuses vertia na direção do ser humano, apontando pelas reencarnações, o processo sublime das transformações.

No Tibet, a realidade também da vida e da morte, está assinalada pelo processo da transformação moral, etapa a etapa, a criatura ascende do pleno da consciência até lograr um estado cósmico e sucessivamente.

Ao transferir-se para o ocidente, a Grécia ancestral apresentará uma plêiade de filósofos que estão preocupados em interpretar o sentido da vida, partindo do simples para o composto, enquanto outros partem da matéria para a energia.

Anaxágoras, filósofo pré-socrático, asseverava que o Universo está nas suas partículas e que em cada partícula se encontra o todo, que naturalmente é o resultado da fusão de todas essas partículas. Com justiça, será considerado mais tarde um dos grandes idealistas da física quântica.

E avançando na esteira das observações filosóficas, nós iremos encontrar Epicuro, Lucrécio, Leocipo, Demócrito, que estabelecem ser a vida destituída de significado. Para os três últimos, a vida é o resultado da aglutinação de átomos, que ao se desagregarem reduzem a vida ao caos, ao nada. Asseveravam Leocipo, Lucrécio e Demócrito que a vida é o resultado de três fatores essenciais: Os átomos, os movimentos e o vácuo. Quando eles se aglutinam a vida se manifesta, e quando ocorre qualquer distúrbio, a vida se desarticula, serão os pioneiros do materialismo mecanicista. E ao mesmo tempo aparece no cenário do pensamento Grego: Sócrates, Platão e Aristóteles, que estabelecem ser a vida conseqüência de realidade pré existente e sobrevivente à adjunção molecular.

Para Sócrates e Platão, a vida era constituída do mundo das idéias, esse mundo das idéias é o mundo metafísico, de onde todos viemos e para onde todos retornamos. A vida humana seria constituída de dois elementos: o ser, que é a idéia, o espírito imortal, e o não ser, que é a sombra. Quando a sombra se desestrutura, o corpo, liberta o ser que volta ao eidos, ao mundo das idéias, por isso mesmo preconizavam a reencarnação, a comunicabilidade dos espíritos e a ética moral como sentido da vida.

Logo depois, Aristóteles. discípulo de Platão, por sua vez discípulo de Sócrates, asseverava que existe o terceiro elemento: a intelequia que é o corpo de ligação entre a matéria e o ser. É nesse período que a busca da felicidade estabelece várias escolas do pensamento.

A primeira escola é de Epicuro. O grande filósofo diz que a vida não tinha nenhum sentido. O sentido da vida é o prazer. Que estamos na Terra para gozar, para desfrutar... porque a criatura humana é herdeira de três instintos primários, e esses três instintos primários predominam. A nossa organização emocional, fisiológica e psíquica: comer, dormir e praticar o sexo.

Então Epicuro estabelecia que o sentido da vida é ter, porque aquele que tem, compra, e aquele que compra goza. Seria o nascimento do capitalismo.

Nós vamos ver na proposta Epicurista, também chamada Hedonista, uma proposta também de beleza, porque o Hedonista cultiva o belo, a arte, a manifestação da eloqüência, da retórica, da oratória, da poesia, mas com um sentido de um prazer. Prazer que uma pessoa deve desfrutar até a exaustão dos sentidos. E Epicuro proponha que cada um de nós, reuníssemos o máximo que pudéssemos, tivéssemos além da capacidade de controlar, para que o prazer estivesse sempre presente em nossa vida. E a sua proposta filosófica tomou conta da Grécia magna, lentamente porém, aqueles Epicureus perceberam que o prazer não trazia o sentido pleno para a felicidade, porque o prazer é voraz, ele permanece como uma labareda quando tem combustível, depois apaga-se, e desaparece. Será que a felicidade é ter? como ainda pensam muitas pessoas. Se eu tenho eu compro. Não compra o amor; Não dilui a saudade; Não muda as ocorrências da vida, mas tenho o prazer.

Será que a vida consiste em comer? Para atender o estômago e renovar, essa preservação da maquinaria, constatou-se que comer bem, bem comer e comer muito não dá felicidade, dá indigestão.

Então a felicidade não pode ser essa frustração que vem depois dos acepipes, das mesas lautas, e fartas, então a felicidade é o gozo sexual.

Já naquela época, Epicuro previa esta época. Eis que o sexo saiu do setor genésico e está nas cabeças das pessoas. Vive-se hoje o espetáculo do sexo. Mas será que o sexo dá felicidade? De maneira nenhuma! O sexo dá cansaço, porque depois da comunhão sexual ao Invés da felicidade e daquele êxtase que passou, vem o tédio, a indiferença e não poucas vezes a frustração. E a pessoa atormenta-se por um novo esquema, até atingir as aberrações, quando não descamba para as drogas estimulantes ou pelas drogas aditivas. Será então o sexo a felicidade anelada? E os discípulos de Epicuro constataram que não. Então dormir, aqueles que dormem muito não são felizes, são preguiçosos. Estão sempre com mais sono, porquanto, à medida que se afrouxam as medidas orgânicas na hipnose, mais vontade tem de dormir. Então a felicidade não é ter, porque ter é fenômeno dos sentidos e a felicidade é uma emoção.

Podemos ter gozos de efêmera dilação. A felicidade é um estado interior de plenitude como estabeleceu o apóstolo Paulo: “Na abundância ou na escassez eu sou o mesmo, na saúde ou na doença eu sou o mesmo”. Aqueles Epicuristas são muito gentis quando tudo está favoráveis a eles, quando algo os desagradam, desvelam as suas frustrações e conflitos, tornando-se agressivos quando não profundamente antipáticos.

Se a felicidade não é ter, que será a felicidade?

O outro filósofo, Diógenes, criou uma segunda escola.

A felicidade não é ter, dizia ele. Por que as pessoas que tem são escravas daquilo que tem, e têm medo de perder a posse. Era como se ele estivesse vivendo no mundo de hoje.

As pessoas têm jóias, mas não usam, porque têm medo de serem roubadas. Guardam nos cofres e as pessoas muito ricas, têm as jóias autênticas e as imitações, porque se o ladrão roubar não levou nada. Não são donos das jóias, as jóias é que são donos deles. Tornam-se escravos daquilo que têm.

Então dizia Diógenes: a felicidade verdadeira consiste em não ter nada! Porque quem não tem nada não pode ficar pior do que já está. A felicidade, portanto, consiste nesse despojamento, e é provável que essa filosofia que deu margem ao brocardo popular: “O homem feliz não tinha camisa”.

Será que a felicidade é não ter? Diógenes criou então a filosofia cínica. E certo dia estava ele em Atenas falando a uma estátua, quando alguém admirado perguntou-lhe: - Diógenes, você está conversando com uma estátua?
– Sim!
- Mas tu não sabes que a estátua é de pedra?
- Sim!
- E não sabes que as pedras não ouvem?
– Sim!
- E por que estás falando com as pedras?
– Para acostumar-me com o silêncio da pedra, a fim de ter paciência com a estupidez de quem fala. Era o filósofo.

Estando em Corinto, a sua cidade natal, Alexandre, o grande da Macedônia, havia terminado de conquistar o mundo, e naturalmente a Grécia. E ao chegar a Corinto, soube que Diógenes ali vivia. Alexandre, era discípulo de Aristóteles, que absurdo! E amava a filosofia de Diógenes, que paradoxo! Desejou então ter um contato com Diógenes e pediu ao Governador de Corinto que levasse Diógenes à sua Galera, que estava ancorada no porto. O Governador, correu à casa de Diógenes, uma casa miserável nos arredores da cidade, e encontrou o filósofo que escrevinhava no chão, no pó. Então o Governador disse-lhe:
- Diógenes, Alexandre Magno, o conquistador do mundo quer conhecer-te e mandou pedir-me que eu te leve até ele, e se eu não te levar, ele arruinará toda a cidade de Corinto, não deixando pedra sobre pedra, - vem comigo! E Diógenes disse:
- Eu não vou!
- Mas Diógenes é Alexandre o conquistador da Terra, ele quer conhecer-te!
– Mas eu não quero conhecê-lo!
- Mas ele quer que tu vais lá!
- Eu não vou! Se ele é quem quer me conhecer que venha cá!
- Mas Diógenes! Ele mandou dizer que destruirá Corinto!
- Aleluia, que destrua! Porque aí não teremos mais medo de um monstro igual a ele. Ficaremos em paz. E não foi.

Quando Alexandre soube, achou isso notável. A coragem do filósofo, e resolveu então visitá-lo. Foi com os seus generais, a sua corte e ao chegar à casa em que estava Diógenes, Alexandre abriu os braços à porta e olhando o filósofo ali aos pés: Trago-te, disse ele, a metade do mundo. Venho dar-te a metade da Terra, venho convidar-te para que governe o mundo comigo. Eu serei o governador militar e tu serás o filósofo que me dirás o que eu devo fazer. Todos estavam emocionados, os bajuladores. Diógenes levantou-se com desdém, deu-lhe um empurrão e disse:
- Senhor, não me tome aquilo que não pode me dar. E saiu. Alexandre ficou a reflexionar, o que ele estava tomando daquele miserável? E percebeu que estando à porta projetava sombra, tomava o sol, o sol ele não podia dar a Diógenes. Alexandre desculpou-o, viajou, morreu três anos depois e Diógenes sobreviveu por muitos anos.

Então ele dizia que felicidade é não ter nada! Mas será que não ter nada dá felicidade?

Num mundo tão agitado, cheios de problemas, desafios e necessidades, pelo menos aquele mínimo, para uma vida digna, mas infelizmente, Diógenes tem alguma razão, porque existem pessoas que são escravas do que não tem. E isto é cruel.

Joana de Angelis, Espírito de luz, nos esclarece que possuímos tudo que é necessário para nossa felicidade, mas estabelecemos que a felicidade é uma condicional e criamos essa conjuntura: Eu só serei feliz quando... perdendo os melhores momentos de felicidade. Eu só serei feliz se... e perdemos as melhores horas de felicidade. Então a felicidade não é a falta de recursos. Que será a felicidade?

O terceiro filósofo, Zenon de Cicio, estabeleceu que a pessoa é infeliz porque tem medo. Tem medo de perder o emprego, o namorado, o marido; tem medo de perder a saúde, da doença, tem medo da morte. Uma verdadeira filosofia de vida é estóica., em que a pessoa enfrenta a vida com estoicismo, com coragem, com elegância, com elevação. E a doutrina do Mestre Zenon, ofereceu vultos grandiosos à historia da humanidade.

Marco Aurélio, Imperador de Roma era estóico, escreveu seus aforismas em campo de batalha matando os inimigos o que é um paradoxo.

Nero foi educado por um estóico. O estoicismo brilhou, mas nós não podemos viver na expectativa do esforço para vencer a dor física, porque de repente vem a dor moral. A ausência de um ser querido, como preencher a lacuna da saudade? Por mais estoicismo, esse vazio existencial que o poeta Estivensson definia como a presença do ser ausente a ausência do ser presente. Por maior que seja o Estoicismo, uma dor pungente, avassaladora. Que será a felicidade interrogou-se? E Sócrates estabeleceu que a felicidade não é só ter ou em deixar de ter, consiste em ser. Ter mais, para atormentar-se. O essencial é ser mais e cada vez melhor. Então Sócrates pregava a filosofia idealista, a felicidade resulta de três fatores essenciais: Uma consciência tranqüila; Um coração pacificado e um caráter reto.

Somente quem age com retidão, tem um coração harmonioso, uma consciência honesta. E de tal forma Sócrates pregava o idealismo que Platão estabeleceu como precursores do Cristianismo.

Assevera Platão num dos seus aforismas: “Se a morte ceifasse a vida, bom negócio faria os maus, porque depois de haver atuado com indignidade morriam e tudo se acabava. Mas para eles não é exatamente assim, porque a vida continua e eles serão chamados à consciência, à prestação de contas.”

A felicidade do ponto de vista socrático está exarada numa conduta reta, como escreveu Buda: “Em uma consciência reta, em um pensamento reto, em palavras corretas e em atitudes retas.” Somente assim a pessoa tem uma felicidade interior e consegue superar quaisquer más inclinações, com as condições subjacentes do convívio social.

E Sócrates viveu integralmente a sua proposta. Ele preconizava naquele momento, que os jovens deviam rebelar-se contra a tirania dos governantes. Atenas viveu o período dos setenta tiranos. A palavra tirano em grego diverge do conteúdo latino. Não eram homens perversos, porque alguns deles eram amantes das letras e eram benfeitores da cultura. Mas eram homens que tomaram o poder. E Sócrates pregava a liberdade total. Graças a isso, ele foi condenado por corromper a juventude.

Determinado segmento de opção sexual contemporânea, assevera que Sócrates corrompia a juventude sob o aspecto moral-sexual, não é verdade.

A proposta filosófica Grega era de que libertando os jovens corrompia-os contra o poder totalitário, e por isso, ele foi levado a julgamento.

No julgamento que ficou célebre, narrado por Platão mais tarde, o juiz teve ocasião de lhe dizer:
- E agora por fim eu condeno-te à morte. E Sócrates sorriu.
– Mas tu sorris? Eu te condeno à morte!
- Oh! Senhor que asneira! Todos nós quando nascemos, já nascemos condenados á morte, o senhor não está dizendo nada mais do que uma coisa que eu já sabia.
- Mas eu te condeno à morte antes do dia em que tu deverias morrer...
- Não sei, porque na minha vida está a fatalidade de morrer no dia da sua condenação. E foi levado para o cárcere. Às vésperas de ser consumada a sentença, Criton, um dos seus discípulos, correu até e ele e disse no cárcere:
- Mestre, eu venho dar-te a liberdade! E Sócrates lhe perguntou:
- Qual liberdade?
– Arrancar-te da cela, da cadeia.
– Mas Cliton, eu não estou aprisionado. Eu sou livre, porque eu sei pensar, e todo aquele que sabe pensar voa com o seu pensamento e sua imaginação. Prisioneiros estão aqueles que têm vícios, porque aonde quer que vão, os vícios escravizam-nos. E como logrará eu evada da prisão?
– Porque na tarde de hoje, disse-lhe o discípulo, a cela dormirá aberta então evadirás Mestre.
- E como conseguiste?
- Nós reunimos jóias da família e subornamos os guardas.
- Mas Criton, tu crês que eu saia daqui para que?
- Para nos ensinar dignidade, verdade, honradez...
- Que mau filósofo tu és! Tu praticas um ato de indignidade, o suborno, com um jovem que não tem honradez, porque vendeu a dignidade, e pedes para que eu apóie o ato, para que eu fuja e depois eu preconize a honradez, a verdade, a dignidade? Enganas-te, enganai-vos todos vós meus discípulos, volta e dize-lhes que eu não fugirei!
- Mas Mestre... amanhã te matarão!
- A mim não Criton. Sócrates é imortal. Rasgarão o corpo, mas é uma endumentária. Sócrates viverá. Volta e dize-lhes que Sócrates é livre e viverá.

No dia seguinte, no pátio da prisão, diante de todas as testemunhas, quando o guarda trouxe-lhe o vaso de alabastro com cicuta para matar dez cavalos, o soldado comoveu-se, olhou para aquele homem e disse-lhe: - Senhor ainda tem uma hora. Ele disse: - Uma hora... é tão pouco para quem tem a eternidade. E bebeu a cicuta.

Quando começaram os estertores, Criton arrebentou a defesa policial e correu até o ele, ajoelho disse: - Mestre aonde quer que nós sepultemos o teu cadáver? Ele ouviu e quase num esforço inimaginável e lhe trouxe à consciência a resposta e disse: - O cadáver joga-o em qualquer lugar porque Sócrates não está mais dentro dele. Criton, não esqueça de pagar um galo a Asclépios que eu estou devendo.

Asclépios era o Deus da Medicina. E não morreu, entrou na eternidade cheio de vida. A quase três mil anos depois ei-lo aqui entre nós. Falando a respeito da felicidade de Sócrates. E se eu perguntar por acaso aos senhores o nome de um dos setenta tiranos eu duvido que alguém me responda, se souber eu agradeço., porque a história não registrou nem o nome do soldado que lhe levou o cálice de cicuta, mas do homem integral, do homem feliz, do homem livre, a história guardou toda uma proposta filosófica a respeito da felicidade.
Tudo que é "perfeito" tem limites impostos pelo seu próprio ser ou estado de "perfeição": um ser que manifeste as suas qualidades não o pode fazer sempre em todos os aspectos.
O imperfeito, além de não manifestar sua potencialidade, quando o faz, pode fazê-lo de modo a não preencher as características do seu ser.
O homem é um ser social e possui uma individualidade. Não é perfeito e portanto, sob diversos aspectos, limitado. Precisa viver consigo mesmo e com os outros, porém, as leis pessoais não são as mesmas que as sociais.
Pelo valor que é a individualidade, alguns homens são melhores em certos aspectos; outros, em outros, e assim a sociedade se completa e a vida social é possível. Mas a moeda tem outra face e o fato das pessoas diferirem em tantos aspectos pode gerar atritos de valores.
Os limites das pessoas também são diferentes. Neste ponto começa o limite entre o pessoal e o social. Existem situações que podem ser ignoradas, passíveis de serem aceitas, em prol da sociedade, do bem comum. Mas o limite não é fixo, pode variar muito: toleramos algo numa manhã, mas se o mesmo assunto for apresentado à noite..., passa dos limites.
Quereríamos que este limite fosse mais elástico, e de certo modo o é. O limite da tolerância tem por um lado a manutenção da individualidade e por outro a inclusão do individual no social. Se isto não ocorrer, alguns perdem sua individualidade e outros são excluídos e preferem se isolar do convívio social.
Neste conviver, o homem percebe que seus sonhos nem sempre são realidades quando se analisa na perspectiva do tempo. A certeza da morte o incomoda, seja pelo desejo de realizar-se, de deixar uma contribuição para a sociedade, ou pelo nihilismo teórico-prático em que muitos podem mergulhar.
Nossa liberdade é o preço da nossa existência, segundo Rodríguez-Rosado (1976).
Existimos como seres humanos livres. Se não tivéssemos liberdade, nossa existência com certeza não seria da mesma forma. Seríamos outros seres, incapazes de optar, pois nosso protocolo seria rígido.
Ao optar, por exemplo, entre ficar em casa estudando ou sair com os amigos para descansar, em qualquer um dos casos, mostraremos que somos livres - e responsáveis -, mas pagaremos o preço da nossa livre decisão.
Cada ser humano pode optar, e ao escolher exclui algo. E todas as nossas ações podem ser vistas por terceiros, que nos rotulam em função das nossas ações.
Existimos e somos, mas nem sempre gostamos de ser rotulados pelos nossos defeitos, modos etc. Algumas pessoas possuem defeitos mais evidentes, que se manifestam no convívio social. A semelhança de uma verruga negra e grande na ponta do nariz; caso estivesse escondida em outra parte do corpo, chamaria menos a atenção. Assim são nossos defeitos. Muitas vezes eles são evidentes, outras não.
A mente humana por vezes tende a caricaturizar em função dos traços ou atitudes negativas daqueles que nos cercam. Melhor seria ver os aspectos positivos dos outros: é mais fácil ensinar algo do que fazer alguém esquecer alguma coisa. Assim, poderíamos afirmar que a primeira impressão é a mais forte. Mas as pessoas mudam, por conta própria ou com a ajuda de terceiros. E no processo de mudança se percebe, por um lado, um limite pessoal; por outro, uma tolerância social.

A evolução espiritual, que se processa através das múltiplas existências, é lenta mas sempre progressiva.

Nenhum espírito adquirirá asas de improviso.

A conquista de uma única virtude exige do espírito repetidas lições a fim de que possa incorporá-la integralmente ao seu patrimônio moral.

Ninguém muda ninguém, sem mudar-se primeiro.

O Mestre Jesus ensinou o caminho que deveremos percorrer com os nossos próprios pés.

A conscientização é um estágio que cada espírito deve alcançar por si mesmo.

Podemos contar aos outros as experiências vivenciadas por nós, mas não temos como transferi-las àqueles que nos ouvem.

Ninguém se furtará aos embates da vida e a sua entrevista pessoal com a verdade.

Embora seja chamado a viver em sociedade, o homem deverá escalar sozinho o monte de sua própria redenção espiritual.

Por isso, em meio à massa humana, observamos as virtudes isoladas de alguns sobressaindo-se aos vícios da maioria, à feição do lírio que desponta no charco.

Caminhemos adiante, passa a passo, convictos de que a distância que nos separa dos Anjos ainda é a mesma que separa o verme do Sol.

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